Osvaldo Agripino, advogado especialista em questões do mar, é professor de cursos de doutorado na área, além de ex-marítimo. Ele considera que o país, com um comércio exterior tão expressivo, não pode continuar sem sequer um navio porta-containeres nas rotas internacionais.
-É muito cômodo depender de armadores estrangeiros para 100% do comércio com o exterior, mas isso cria uma dependência. Se, um dia, por uma razão qualquer, que pode ser comercial como estratégica ou por outro motivo, essa frota pode se deslocar para outros países e deixar exportadores e importadores brasileiros na mão – diz.
Segundo Agripino, o Governo tem de dar estímulos para que o Brasil ao menos transporte 30% de seu comércio. Embora o controle da navegação internacional de containeres seja exercido por empresas estrangeiras, que operam com custos baixos, Agripino considera que o Governo tem meios de incentivar uma frota mínima brasileira. Lembra que, por ano, o Brasil já perde US$ 10 bilhões na conta frete, embora outros analistas afirmem que essa conta não reflete com exatidão os gastos, que estariam próximos de US$ 20 bilhões a cada ano. Lembra ainda que a maior parte dos navios porta-containeres está registrada em bandeiras de conveniência, ou seja, em países sem legislação fiscal e trabalhista e que, portanto, obtêm custos baixos em razão de uma espécie de burla à legislação dos países de economia formal.
– Precisamos de política marítima de estado, com visão de longo prazo – reitera.
Tradicionalmente, é pequeno o número de grandes armadores estrangeiros e, mais recentemente, houve seguidos movimentos de fusões e aquisições, que reduziram ainda mais o número de players, mas isso, segundo Agripino, não pode ser um obstáculo, mas, ao contrário, um estímulo para o Governo estabelecer uma política marítima soberana.
Sobre outro tema, que é a situação dos navios de passageiros, o especialista afirma que o Brasil está desprotegido, pois não assinou a Convenção de Atenas, que cuida do setor.
– Acidentes com transatlânticos têm-se sucedido. Se houver um grande desastre, o Brasil não saberia que leis aplicar em relação a navios de passageiros. Pior ainda que esses navios têm sede em paraísos fiscais, o que dificulta ou até impede que sejam feitas cobranças de valores eventualmente devidos – afirma. Esclarece que a propaganda fala em empresas italianas, alemãs e de outros países tradicionais, mas, na verdade, as grandes companhias estão sediadas em países como Ilhas Virgens, Bermudas, Panamá etc.
Para Agripino, é essencial que o Brasil se prepare para, em caso de um acidente, discutir derramento de óleo, indenizações para passageiros e outras questões. Lembra que o Governo criou um fundo de R$ 1 bilhão para ser usado em caso de derramamento de óleo, mas que isso se refere a dinheiro público e, em muitos casos, a responsabilidade pode ser privada.
Agripino critica legislação que retirou o controle sobre transatlânticos da Antaq e a passou para o Ministério do Turismo e diz que o Ministério Público do Trabalho deveria examinar os contratos feitos com brasileiros para atuar nesses navios que apresentam sintomas de serem irregulares. Recorda que, em relação ao Costa Concordia, com dezenas de mortos, na Itália, não se sabe quem irá arcar com as indenizações e, portanto, se isso ocorre por lá, imagine-se se acontecer um acidente de grandes proporções no Brasil.
Segundo o mestre de Direito, as empresas que exploram a costa brasileira deveriam, ao menos, contar com filiais legalmente estabelecidas no Brasil, para poderem responder a processos no país.
Em relação à taxa de espelho d’água, cobrada pela Secretaria de Patrimônio da União (SPU) afirma ser legal, mas totalmente anacrônica.
– Retirou-se do baú uma lei de décadas atrás e impôs-se novo imposto aos terminais, onerando o comércio exterior brasileiro. Essa cobrança está na contra-mão da história – disse, acentuando que, se o Conselho de Integração de Transportes (Conit), criado há anos, mas paralisado, estivesse funcionando, seria o fórum para a Secretaria Especial de Portos mostrar ao Ministério do Planejamento que a nova taxa pode ser legal, mas é inapropriada para o desenvolvimento nacional.
O MUNDO PÓS NOVO CANAL DO PANAMÁ
Estudiosos da navegação, Wesley Collyer acredita que a ampliação do Canal do Panamá vai ter enorme efeito sobre o comércio mundial. Atualmente, o canal feito pelos americanos em terras panamenhas permite a passagem de porta-containeres para até 4.600 unidades e, a partir da sua expansão, a ser concluída em 2014, irá permitir o tráfego de navios de 12 mil unidades ou até mais – dependendo da largura da embarcação. Isso irá reduzir os custos mundiais de transporte e incentivar a criação de portos concentradores – hub ports – no México, Estados Unidos e pequenas nações do Caribe. As mercadorias da Ásia chegarão com mais facilidade à Costa Leste americana e, enfim, afetará todo o mundo, inclusive o Brasil. Explica Collyer que um porto tem área de abrangência de 350 km e, portanto, alguns portos brasileiros que não conseguirem se impor como hub ports se limitarão a ser portos redistribuidores. De maneira geral, o Brasil, que recentemente realizou importante serviço de dragagem, terá de aprofundar novamente a profundidade de seus principais portos, para não vê-los relegados a segundo plano.
Lembra que o maior navio do mundo, o Emma Maersk transporta 14 mil containeres e que já se fala que Maersk estaria projetando navio para 18 mil containeres. Essa mudança de porte tende a favorecer portos de águas profundas – principalmente os localizados junto a grandes mercados. Além de Itaguaí (RJ), Itaqui (MA), Santos poderá se habilitar com seu ousado projeto de águas profundas – estendendo seu píer de atracação mar à frente – e o novo porto de Eike Batista no Norte fluminense também poderá fazer parte desse grupo seleto.
– No fundo, não se sabe com exatidão qual o exato efeito no comércio mundial. Um grande navio da Europa, por exemplo, poderá vir ao Brasil e voltar através do Canal.
Em relação aos portos nacionais, Collyer considera que a alta responsabilidade dada pela legislação aos Conselhos de Autoridades Portuária (CAPs) não é retratada na prática, com os dirigentes das companhias docas cuidando isoladamente dos portos.
– Os membros dos CAPs não sabem a força que têm – diz, citando que, no papel, as administrações portuárias seriam dependentes dos CAPs, mas, na realidade, não é isso que ocorre. Para o ex-marítimo e hoje advogado, o CAP é órgão superior, a quem caberia baixar regulamentos, perseguir redução de custos e zelar por normas. Garante que só a justiça pode desfazer um ato de CAP. Collyer sugere que a Antaq faça um seminário nacional para explicar e restabelecer a força dos CAPs, mostrando a todos que, no fundo, administração portuária é a administração do porto somada ao CAP.
Collyer é autor do Dicionário do Comércio Marítimo, que terá, em breve, sua 5ª. edição. O total de verbetes, antes de 5.200, irá para 6.200 e, além disso, a obra indicará quais os endereços eletrônicos de entidades do setor, como a Organização Marítima Internacional (IMO) ou a bolsa inglesa Baltic Exchange. Recentemente, a Petrobras comprou 2 mil exemplares dessa obra.
BUROCRACIA EXCESSIVA
A advogada Jaqueline Daros critica o alto valor das multas e o excesso de burocracia imposto pelo governo brasileiro na área portuária. Citou que a resolução 858/2007 da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), estabelece multas que vão de R$ 5 mil a R$ 1 milhão e cria nada menos de 50 obrigações para as administrações portuárias.
Cita que, em relação aos contratos de terminais, há três correntes entre os juristas:
– Os que consideram a licitação válida por período fixo e não admitem prorrogação; os que admitem prorrogação se houver licitação e vedam prorrogação de áreas cedidas anteriormente sem licitação; e os que admitem prorrogação mesmo de áreas não anteriormente licitadas.
Afirmou que o Tribunal de Contas da União (TCU), obviamente sem esse objetivo, inibe a melhoria da operação, ao engessar a atuação dos dirigentes públicos.
– Em minha opinião, o administrador portuário precisaria de mais autonomia, para poder ser cobrado. Destaca que um operador, ao falor com um dirigente de companhia docas, comentou que ambos eram parceiros, visando ao desenvolvimento e ao aumento de movimentação e ouviu dele a seguinte resposta: ‘ não sou parceiro, sou autoridade”. Essa frase reflete o formalismo reinante nos portos.
A advogada cita que os funcionários têm medo ser pessoalmente responsabilizados e, com isso, atuam na retranca, não admitindo qualquer atitude que possa lhes trazer um processo, o que trava o setor portuário brasileiro. Ela considera que o administrador portuário deveria ter mais autoridade para agir.
Admitiu ainda haver insegurança jurídica no Brasil: “ A Antaq atuou para reduzir essa sensação, mas a verdade é que ainda há insegurança jurídica no país, o que desestimula investimentos”, disse, citando ser necessária a adoção de medidas para equilíbrio da competição.
– As fórmulas atuais parecem boas para proteger os agentes públicos, mas limitam os lucros. O Brasil é muito grande e tem realidades diferentes, o que dificulta a aplicação de fórmulas gerais. O investidor quer lucro e aqui não se verifica estímulo ao investimento lucrativo.
BNDES QUER INOVAR
Ricardo Cunha da Costa, chefe do Departamento de Óleo e Gás do BNDES, revela que o banco, juntamente com Petrobras e BNDES, pretende lançar, em breve, um programa de incentivo à inovação. Também declarou que o banco vai entrar no programa Progredir – pelo qual a Petrobras estimula bancos a emprestarem aos fornecedores da estatal. Será usado o BNDES automático, para poder atender à exigência de rapidez do Progredir.
Em sua palestra no Naval Congress, no Rio, disse que o Fundo de Marinha Mercante (FMM) também financia equipamentos importados, só que com regras menos favoráveis do que as destinadas ao mercado interno.
Comentou que, até 2007, o BNDES era o agente exclusivo do FMM, o que fez com que todos os primeiros 30 navios da Transpetro e praticamente toda a frota de barcos de apoio até lá tenham sido financiados pelo banco da Avenida Chile. Agora, outros bancos estatais disputam esses contratos. Disse que o BNDES tenta criar um sistema para financiar os produtores de peças para estaleiros, ou seja, as navipeças, em associação com a Organização Nacional da Indústria do Petróleo (Onip) e o Sindicato da Construção Naval (Sinaval). Sem citar nome da empresa, Cunha da Costa informou que um estaleiro internacional, que tem centro de compras no exterior, já usa um fornecedor brasileiro para peças que destina a todo o mundo. Por fim, declarou que o BNDES gostaria que as navipeças brasileiras tivessem maior participação do que a atual em navios e plataformas montados no Brasil.
EXPANSÃO EM APOIO
Os números mostram com clareza que o setor de supply-boats está de vento em popa. A demanda é tanta que as empresas nacionais, embora disponham de reserva de mercado, não conseguem suprir as necessidades e, com isso, os estrangeiros são maioria. Em outubro de 2011 havia 160 barcos nacionais e 254 estrangeiros. Para 2020, a previsão é de 300 nacionais e ainda 386 estrangeiros. Pelas normas em vigor, o barco nacional afastaria os estrangeiros, mas os armadores não conseguem encomendar em nível que supra totalmente as necessidades do país e nem os estaleiros conseguiriam atender a essa demanda. Se um barco estrangeiro tem contrato de quatro anos com a Petrobras, por exemplo, a cada ano deve ser feita circularização – notificação ao mercado – e, caso haja unidade nacional ociosa, ocupará o lugar da estrangeira. No momento, isso não ocorre – nem tão cedo irá acontecer.
Um dado importante é que, ao contrário do que ocorre na aviação, na navegação basta uma empresa ter CNPJ que será equiparada a uma companhia totalmente subscrita por brasileiros. Isso democratiza o setor, pois faz com que o capital estrangeiro que cria empresa no país, com empregados nacionais e contrate embarcações em estaleiros do país, tenha total apoio da legislação. Já os puramente estrangeiros – que hoje são maioria – sabem que não têm preferência, mas aproveitam a fase de demanda superior à oferta para colocar centenas de seus barcos no país.
No momento, estão em construção 35 barcos de apoio, o que elevará a frota nacional, mas não a nível de afastar estrangeiros. Fala-se em encomenda de mais 20 unidades, nos próximos meses.
– A presidente Dilma quer atingir a meta de 6 milhões de barris diários de petróleo em 2020 e, para isso, haja plataformas, navios e barcos de apoio. Temos de trabalhar – diz o presidente da Associação Brasileira das Empresas de Apoio Marítimo (Abeam), Ronaldo Lima.
Uma questão, no entanto, preocupa a Abeam. Segundo Lima, há escassez de profissionais para atuar na área de apoio marítimo – em atendimento a plataformas.
– Não queremos criar polêmica com o Sindicato dos Oficiais de Marinha, mas não podemos nos calar ante a real falta de pessoal – diz Lima. Segundo ele, as empresas procuram marítimos já aposentados, buscam estender a jornada de alguns e tudo isso gera um custo extra para os armadores.
Como se sabe, o setor de barcos de apoio tem crescido a níveis elevados nos últimos anos e deve se expandir ainda mais com a exploração do pré-sal. Uma das medidas preconizadas por Lima é o fim da obrigação de que barcos estrangeiros usem marítimos brasileiros, o que dificulta a contratação de pessoal pelas empresas brasileiras. Esclarece que, diante dessa escassez de pessoal, já há algum relaxamento nessa norma – mas a Abeam desejaria que fosse formalmente suspenso o uso de marítimos brasileiros em unidades estrangeiras, por longo tempo, até que a situação fosse resolvida.
Embora o termo “ barco de apoio” dê a impressão de tratar-se de embarcação simples, essas unidades estão cada vez mais sofisticadas. Seu preço médio é de US$ 60 milhões e há barcos mais sofisticados que chegam a custar US$ 200 milhões – valor superior ao de grandes embarcações comerciais.
A INCRÍVEL TAXA DE ESPELHO D’ÁGUA
Não há a menor dúvida: a cobrança feita pelo espelho d’água, pela Secretaria de Patrimônio da União (SPU), é legal, mas contrária ao interesse nacional. A autorização consta do decreto-lei 9760, de 1946, que fala genericamente em valor para imóveis da União, sem referência a águas públicas; já a lei 9636, de 1998, trata do uso múltiplo das águas. Para o presidente da Associação Brasileira de Terminais Portuários (Abtp), Wilen Manteli, essa norma não se aplicaria à atividade portuária, que tem diploma legal específico, a lei dos portos – 8630/93 – sendo regulada por SEP e Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). Manteli luta com todas suas forças contra essa taxa que pouco ajuda a União – cuja receita anual supera R$ 1 trilhão – mas que eleva o Custo Brasil na exportação, de forma pouquíssimo inteligente. A Secretaria Especial de Portos (SEP) respondeu a Manteli que foi criado um grupo de trabalho para estudar a anomalia. Já a SPU defende a cobrança: “ Em geral os bens de uso comum do povo devem estar disponíveis para a utilização pública e gratuita. Entretanto, quando se faz necessário o uso em caráter de exclusividade, como é o caso dos terminais portuários, os empreendedores devem pagar os valores competentes, a título de remuneração, o que é devolvido à sociedade em forma de financiamento de políticas públicas”. Para a ABTP, o espelho d’água é integrante essencial do complexo portuário e as taxas já pagas pelos terminais por portos deveriam se estender ao uso da água contígua, uma vez que não faz sentido um porto sem seu acesso aquaviário.
Diz a Abtp não haver lei que dê suporte específico à cobrança, pois os portos e terminais, ao usarem a água, não a consomem. Os arrendatários já pagam taxas à União para exploração. Afirma, de forma taxativa a entidade privada: “ O valor a ser pago à união pelo uso do conjunto terra-água já está, necessariamente, incluído no que é pago a título de laudêmio, foro ou taxa de ocupação”. E acrescenta, até com certa ironia: “ a criação de um porto requer, obrigatoriamente, a indispensável junção de terra firme com o elemento água, sendo esta mais importante do que aquela para que possa cumprir com a sua finalidade de atender às necessidades da navegação e da movimentação de passageiros e cargas”. Em resumo: nenhum porto pode funcionar sem água e quem consegue o direito a explorar um porto já está, com clareza, garantindo seu direito ao uso do completo terra-água.
E conclui a Abtp com uma síntese de deveria fazer corar de vergonha os burocratas que querem cobrar pelo espelho d’água: “ torna-se impensável pretender que seja dado a um porto um tratamento de separação terra-água, conforme se depreende serem as intenções da SPU”.
SEMINÁRIO
Santos (SP) recebe, no momento, o IV Seminário sobre Direito Portuário. O tema é O Porto, o Desenvolvimento Sustentável e a Coordenação das Agências Estatais.